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Nova Lei de Licitações: inovação ou novação?

* Por Igor Daltro

De antemão, são quase 28 anos de vigência da lei geral de licitações e contratos administrativos, 8.666/93. A cada um deles o clamor por uma nova lei só aumentava. Eis que seu fim chegou! E cá entre nós, não deixará saudades.

Portanto, a lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021, é a nova lei de Licitações Públicas e Contratos Administrativos.

Inúmeros papers, estudos e teses apontavam as mazelas da lei 8.666/93. Entre elas, destacamos algumas:

  • A lentidão dos procedimentos
  • A inversão de lógicas de fixação de um processo pelo processo em si e não um processo para um fim
  • A alta precificação das contratações públicas por parte dos licitantes, o que ocorre em razão do excesso de formalismo do procedimento devido às exigências exageradas.

Essas e outras rigidezes da lei 8.666/93 não entregarem o que profetizara em sua edição: o afastamento da corrupção a partir de uma menor ou inexistente liberdade conferida ao administrador público e mecanismos amplos de controle.

Naturalmente a expectativa seria de uma legislação disruptiva, inovadora, quiçá revolucionária, certo? Ledo engano.

A lei 14.133/21 não é um show de inovações, mas apenas um catálogo de novações (por definição, novação é a ação ou efeito de fazer algo novamente). Entendamos o porquê na sequência.

Nova Lei de Licitações e Contratos

A lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021, é a nova lei de Licitações Públicas e Contratos Administrativos (Foto: Freepik)

Por que a lei 14.133/21 não é inovadora?

O Estado deu início à ruptura (ou buscou fazê-lo) de um modelo burocrático de administração para introduzir e estabelecer um modelo gerencial, a chamada administração pública de resultados, gerencial, que buscava entregar mais qualidade e efetividade e menos formalidades.

O movimento toma forma jurídica com a reforma administrativa da Constituição em 1998, trazida pela Emenda Constitucional 19/98, encabeçada pelo então Ministro da Reforma do Estado, Bresser Pereira, no Governo FHC (de Fernando Henrique Cardoso).

Nesta esteira, pós 8.666/93, tivemos, em 1995 e depois em 2004, as leis 8.987/95 e 11.079/04, trazendo tratamento diferenciado às licitações que envolvessem a delegação de serviços públicos.

Novos critérios de julgamento, procedimento de manifestação de interesse (PMI), resolução de conflitos a partir da arbitragem, foram algumas de suas novidades.

Nascimento do pregão

Em 2002 surge a lei 10.520/02. Nasce o pregão. Modalidade voltada especificamente para a aquisição de bens e serviços comuns.

Trouxe grandes inovações naquele momento, como a inversão entre as fases de habilitação e propostas e a utilização de recursos de tecnologia da informação – o famoso pregão eletrônico.

Não à toa o pregão passa o dominar o cenário e é utilizado em quase 100% das licitações públicas realizadas desde então.

Em 2006, temos a lei complementar 123/06. Lei que criou o simples nacional. Em seus art. 42 ao 49 confere tratamento diferenciado às microempresas e empresas de pequeno porte em licitações pública.

Assim, demonstrando, claramente, uma preocupação com a sustentabilidade econômica.

Dessa forma, ficou permitido às pessoas jurídicas mais modestas, se comparadas com as demais de médio e grande porte, a possibilidade de regularização posterior de documentação fiscal, o empate ficto, direito de preferência, etc.

Regime Diferenciado de Contratações

Em 2011, surge o Regime Diferenciado de Contratações, o RDC. Inicialmente estabelecido para atender as demandas de infraestrutura para o sediar os eventos esportivos de grande porte (Copa das Confederações, do Mundo, Jogos Olímpicos e Paraolímpicos), em pouco tempo vê seu campo de atuação estendido a outras searas, como:

  • Ações integrantes do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)
  • Obras e serviços de engenharia para construção, ampliação e reforma e administração de estabelecimentos penais e de unidades de atendimento socioeducativo
  • Contratos built to suit
  • Ações em órgãos e entidades dedicados à ciência, à tecnologia e à inovação, dentre outros.

Este regime talvez tenha sido o mais significado no mundo licitatório no quesito quantidade de mudanças.

Portanto, acreditamos que as mais impactantes ficaram por conta do pregão, mas o RDC inova “no atacado”. Assim, não só “reconsagra” a inversão de fases, o formato eletrônico, mas vai além.

Traz orçamento sigiloso (medida importante no combate à “cartelização”); contratação integrada (reconhecendo que determinados objetos devem ser entregues de forma full à determinada empresa em razão de expertise e know-how); novos critérios de julgamentos de propostas; remuneração variável do contratado; possibilidade de saneamento das propostas; maior transparência na rede mundial de computadores; entre outras.

Sistema de Registro de Preços

Em 2013, adveio o decreto 7.892/13. Este instituiu modernamente o Sistema de Registro de Preços (SRP) e revogou o anterior (decreto 3.931/01).

O modelo permite a contratação pública com base em ata de preços registrada em benefício, por exemplo, de vários órgãos da Administração.

Naturalmente conferiu mais celeridade e praticidade, haja vista que uma única licitação permitia que as contratações posteriores fossem feitas com base nesta sem a necessidade de realização de novos certames para cada um dos contratos a serem pactuados.

Paralelamente à todas essas inovações, a lei 8.666/93 seguia sendo retaliada e trazendo algumas alterações, como: promoção de valores institucionais (por exemplo, a sustentabilidade ambiental e acessibilidade), atualização dos valores das modalidades de licitação, preferência de contratação, dentre outros.

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O que exatamente trará a Nova Lei de Licitações e Contratos?

Essa norma teve como inspiração as leis do pregão, 10.520/02, e do RDC, lei 12.462/11. Tanto que as revogará.

Essas últimas, inclusive, já foram inspiradoras da lei das estatais, 13.303/16. Logo, consagrar grande parte de seus institutos em um novo normativo não é novidade.

Porém, não somente estas legislações foram referenciais, haja vista que a própria lei anterior, 8.666/93, tem muitos dispositivos reproduzidos. Jaz aqui, talvez, o grande desperdício de oportunidade: uma lei de novações.

Considerando que a nova lei apresenta 194 artigos em detrimentos dos 126 artigos da lei anterior, havia a necessidade de um texto mais extenso, burocrático e exaustivo que o da lei 8.666/93?

O novo diploma legal mantém grande parte dos institutos tradicionais da lei 8.666/93 compilando em seu texto alguns institutos previstos em normas esparsas (aduzidos acima) por todo o ordenamento jurídico.

Inclusive, conferindo revogação diferida, ou seja, posterior de três delas: 8.666/93, 10.520/02 (pregão) e 12.462/11 (RDC). Ressaltamos o período de coexistência da nova lei com as demais será de 2 anos, conforme art. 193, II.

Serão positivados na nova lei alguns institutos supracitados, tais quais:

  • Orçamento sigiloso
  • Procedimento de manifestação de interesse (PMI)
  • Possibilidade de utilização de mecanismos privados de resolução de disputas (mediação, conciliação, arbitragem ou dispute boards – esse último uma verdadeira novidade e nova modalidade)
  • Algumas hipóteses de dispensa e inexigibilidade da lei anterior
  • A remuneração variável do contratado
  • A contratação integrada

Mais organização na Nova Lei de Licitações

A bem da verdade, a legislação não se limitou a “organizar a casa” acabando com a leis esparsas e concentrando em si um compêndio de suas normas.

Conseguimos encontrar a positivação de orientações consagradas por órgãos de controles e maiores intérpretes das licitações públicas, especialmente o Tribunal de Contas da União.

Por exemplo, citamos a possibilidade de o pregão para contratação de serviços comuns de engenharia e a sua inaplicabilidade para contratação de obras (conforme dispõe a súmula 257, do TCU), a utilização preferencial do formato eletrônico que, agora, não ficaria adstrita ao pregão (vide acórdão 1.515/11, do plenário do TCU), o princípio da segregação das funções (pregoeiro não atua com fiscalização de contratos).

Ainda há outras novidades, como, por exemplo:

  • A extinção das modalidades tomada de preços e convite e a incorporação da modalidade do diálogo competitivo, tradicionalmente utilizado no Direito europeu (Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho)
  • A possibilidade de fixação de matriz de riscos nos contratos administrativos
  • Redução da discricionariedade na aplicação de sanções
  • Exigência de seguro garantia vinculado às grandes obras – chamados performance bonds

Questões deixadas pela Nova Lei de Licitações

A pergunta que fica é: a nova lei de licitações poderia ser mais disruptiva, inovadora, com a emersão de verdadeiras e profundas novidades no campo das contratações públicas?

Conforme cita o Ilmo. Rafael Oliveira, o legislador poderia ter incorporado experiências e estudos elaborados por economistas que estudaram a “teoria dos leilões”.

Apesar de sua utilização secular, a relevância da teoria dos leilões pode ser demonstrada pelos vencedores do Nobel de Economia de 2020, Paul Milgrom e Robert Wilson, professores da Universidade de Stanford que possuem estudos relevantes sobre o tema.

Se a “teoria dos leilões” possui relação direta com os procedimentos de seleção de compradores ou vendedores, é inegável a sua íntima correlação com as licitações e as contratações públicas.

Portanto, a lei poderia ser mais experimental, inovadora, desbravadora.

Poderia se valer, como barreira de segurança para inovações, como a “teoria dos leilões” nas contratações públicas, do sandbox regulatório (figura frequentemente adotada no mercado financeiro e econômico, como no caso das Fintechs) nas contratações públicas para testar suas efetivas e reais novidades em um ambiente controlado.

Como na vida, a escolha por si só, seja pelo viés social, filosófica ou jurídico, é, em todos seus aspectos, um grande cobertor curto. Se cobre o peito, descobre os pés, e vice-versa.

Por um lado, a nova legislação demonstra assertividade ao “organizar a casa”, compilar, formalizar e consagrar institutos esparsos já experimentados de forma exitosa em uma única lei.

Por outro lado, em razão de sua preocupação excessiva com o procedimento e seu formalismo, com pouca maleabilidade para adequar-se aos mais variados relvados, cenários em que ocorrem as contratações públicas, conferindo o mesmo tratamento jurídico à objetos de complexidades diversas, perde o legislador grande oportunidade de oferecer ao Estado mecanismos modernos que talvez nos permitiriam maiores:

  • Competitividade
  • Celeridade
  • Redução de custos
  • Capacidade de investimento (que hoje se encontra estrangulada e nos menores patamares de sua história).

Em conclusão, como sugere o título deste artigo, a nova lei de licitações públicas e contratos administrativos é um ato político, legislativo e governamental de novações. Sem, no entanto, apresentar significativas inovações técnico-jurídica.


Sobre o autor

professor Igor Daltro, Direito Administrativo

 

Igor Daltro é advogado, Especialista em Direito Administrativo pela Escola da Magistratura do Rio de Janeiro (Emerj) e pela Universidade Candido Mendes (Ucam) e em Processo Civil, também pela Ucam, é professor desta disciplina em cursos de pós-graduação, graduação e tem vasta experiência em cursos preparatórios para concursos públicos, presenciais e online, em todo o Brasil.

 

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